sexta-feira, 8 de abril de 2011

O trabalho enquanto tortura



Do que falamos quando mencionamos a palavra “trabalho”? Falamos da escravidão e da tortura e assassínio que lhe seguem. A palavra trabalho tem origem no termo latino “tripalium” – um instrumento romano de tortura constituído por três estacas cravadas no chão, dispostas em forma de pirâmide, na qual se castigavam os escravos.

Não surpreende. Quem já tiver trabalhado, no verdadeiro sentido do termo, sabe que a jornada laboral é uma tortura. Seja através das dores nos músculos ou do aborrecimento cruel que semeia a apatia.

O trabalho é escravidão assalariada, onde produzimos em troca das migalhas que o patrão nos oferece, caridosamente. As migalhas que asseguram o pão e que nos permitem, entre muitas dificuldades, dar origem a uma nova geração de escravos.

Cada minuto da nossa jornada laboral é desvalorizado, para que o trabalhador produza durante o maior tempo possível pelo menor custo possível. Um dia de trabalho rouba-nos da vontade própria, ritualizando as nossas vidas. Rouba-nos do lazer, da educação, de todas as actividades que são naturais ao ser humano. Rouba-nos do tempo que necessitamos para atender às necessidades da família e dos amigos, e impede-nos de participar activamente no processo político – cria-se assim um sistema de “Representantes”, de políticos profissionais que decidem por nós enquanto nos dedicamos à nossa actividade escrava.

Não é difícil concluir que o trabalho, enquanto instrumento domínio de uma classe sobre a outra, é a origem das epidemias que corroem a sociedade.

Nem toda a morte é biológica. A ausência de expressão das características essencialmente humanas é não chegar sequer a viver.

Toda a negação da natureza humana é equivalente ao assassínio.

O trabalho nega a natureza humana, impedindo que cada homem prossiga o caminho que conduz ao seu desenvolvimento integral.

Logo, o trabalho é equivalente ao assassínio.


P.S.: Quando chegar a revolução emancipatória, esperemos que a actividade produtiva receba um nome mais digno.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

NÃO PAGAMOS: O que não sabíamos sobre a Islândia


Post originalmente publicado em 13 de Março de 2011



http://www.parisseveille.info/quand-l-islande-reinvente-la,2643.html

http://nosinmibici.com/2011/01/23/2073/

O que não sabemos sobre a Islândia: que o povo desceu às ruas para contestar o Governo e a Banca. Que o povo islandês sitiou o Palácio Presidencial, não arredando pé. Que em 27 de Novembro de 2010 foi eleita uma Assembleia Constituinte. A Islândia tem uma população de 318 mil pessoas.

Ontem, em Portugal, saíram às ruas cerca de 300.000 pessoas.

Em Lisboa, saíram às ruas 200.000 pessoas. Teria sido o suficiente para fazer do Rossio a nossa Praça Tahrir. Teria sido o suficiente para sitiar a Assembleia da República, para exigir o não-pagamento de uma dívida cujos dinheiros nunca nos beneficiaram.

Teria sido o suficiente para correr com o Centrão da Assembleia da República, para pedir uma Assembleia Constituinte que nos levasse de volta a uma Constituição do povo, para o povo.

Porque as Constituições não são documentos sagrados. Lá porque diz que os governos devem ser democraticamente eleitos por X e Y meios, tal não significa que a iniciativa não esteja na acção decisiva do povo. A soberania do povo é o princípio inabdicável a partir do qual tudo o resto é contingente.

Os acontecimentos na Islândia demonstram conclusivamente o poder dos media, capaz de bloquear informação decisiva para o traçar do rumo dos povos. Sustemos a respiração, enquanto esperamos novas notícias da Islândia.

E nós? Por quanto mais tempo vamos continuar a suster a respiração?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O Povo "pro se" ou da pretensa democracia


[Crédito: Gui Castro Felga]

Por meandros bizantinos, chegámos a mais um dos pretensos momentos de democracia. Pretenso, pois o termo Democracia é uma meretriz lexicográfica, sofrendo mutação conceptual tal que hoje em dia o termo se conota quase exclusivamente com a colocação de um papel numa urna -- a escolha do representante, do político profissional que advoga os nossos interesses numa esfera mais elevada que a do quotidiano.

A representação é uma subversão conceptual da Democracia. É a Democracia dos Explorados, que devem conceder o tempo que deveriam dedicar à sua formação e intervenção política ao Patrão, à jornada de trabalho e a outros assuntos menos perenes. É a Democraciazinha que nos é inculcada como a maior conquista da modernidade, e que é meramente contígua com o Estado de carácter burguês.

Chegou a altura de o Povo ir pro se. Àqueles que decidem colocar o voto na urna (e que espero que o façam à esquerda), há que recordar que a política não se esgota nos Parlamentos. Não se esgota na representatividade -- que a presença do povo nas ruas deve lembrar qual é a fonte da qual emana toda a soberania. Que a presença do povo nas ruas deve ser tão vinculativa como os actos dos representantes.


sexta-feira, 4 de março de 2011

As tretas do Acordo Ortográfico

Começo por reconhecer a minha ignorância da Ciência Linguística, e dos processos que são seu objecto de estudo. Posto isto, arrogo-me relativa perícia na mui nobre arte de detectar e dissecar tretas e processos de pensamento afins.

A última treta que detectei chegou-me sob a forma de uma encarecida súplica à Igreja Católica. Não é novidade -- a Igreja Católica, antro da caridadezinha, é depositária de um rol infindável de súplicas. Mas este é um caso especial: a autora dirige-se à ICAR com o objectivo de sensibilizar os seus mais altos dirigentes em território português face ao suplício da Língua Portuguesa ás mãos do Acordo Ortográfico de 1990.

Esta carta aberta, escrita num estilo impecável e eloquente, esconde a sua completa ausência de materialidade. O discurso é dominado pela eloquência estéril e logorreica:

um grave caso de delapidação de um património inalienável, aquele único que, depois da nossa mãe, tem um valor sentimental que suplanta o da bandeira, do hino ou dos juramentos sem alma a que muitos actores sociais têm levado a sociedade a assistir.
Podemos verificar neste exemplo um apelo à emoção, uma falácia que pretende sobrepor-se ao argumento lógico através do apelo à víscera. E apesar de ser verdade que possuímos um sistema nervoso visceral , urge recorrer ao cérebro.

A Língua-mãe é uma herança que, passando incólume por todas as modas, assegura a nossa ligação ao passado, transportando-nos, seguros da nossa identidade, onde quer que passemos no mundo.
Aqui a autora parece partir do pressuposto absurdo que as línguas aparecem e desaparecem mediante processos que se inserem num quadro catastrofista. Parece-me a mim que as línguas evoluem ao longo do tempo, de diversas variantes. E é por isso que nenhum de nós fala indo-europeu, nem latim, nem mozárabe nem galaico-português.

As línguas não são heranças que passam incólumes por coisa alguma: são entidades dinâmicas, cuja estrutura se altera de geração para geração. Abate-se assim o pressuposto do essencialismo e catastrofismo linguístico.

muitos há que consideram um crime de lesa-pátria e um total desrespeito por milhões de antepassados, cidadãos deste século XXI e vindouros, alguém ter-se arrogado a alterar, por decreto – e, obviamente, por vergonhosas razões economicistas ou mercantilistas – uma Língua que, como outras, não precisa de leis para evoluir porque, sobretudo, não é de evolução que se trata, mas de um facilitismo
Existe um provérbio chinês que reza assim: "Três homens constituem um Tigre". Ou seja, não é por apelarmos à opinião de muitos (que nem sabemos quem são) que algo se torna verdade. Mais uma falácia. E mesmo que seja verdade que uma língua não evolui por decreto, e que a intervenção do Estado na sua regulação é disputável, falta um argumento de índole linguística.

Não poderia a Igreja Católica intervir na resolução deste assunto, uma vez que é o lugar por excelência dos estudiosos e cultores do português como ele deveria ser sempre? Não tem um contacto privilegiado com um imenso número de portugueses alheios ao seu património maior (por motivos que se prendem com a mentalidade mas agravados pela conjuntura económica que parece sobrepor-se a tudo)? Não deveria a Igreja ter uma palavra a dizer quanto a isto? Até hoje, qual tem sido a posição da Instituição que Vossa Eminência Reverendíssima representa?…
Pelo credo Niceno-Constantinopolitano! Lá porque Deus é imutável, não significa que a língua também o seja! A Igreja é o lugar por excelência da verborreia teológica e do escolasticismo e tomismo deturpadores do pensamento aristotélico, não do culto da Língua. Esse papel passou, em boa hora, para a Universidade.

Alguém me explica porque raio é que a senhora está a escrever para a Igreja Católica ao invés de escrever para as Faculdades de Letras, que contrariamente à Igreja (um corpo calcificado, decrépito, necrólatra) exercem um papel activo junto da comunidade, e que contribuem para a análise e evolução da língua?

Que treta.

terça-feira, 1 de março de 2011

Paroquialismos na Geração à Rasca

A nossa geração está à rasca. Este é um facto inegável e inexorável, que permeia o nosso quotidiano e premeia os nossos esforços -- académicos e profissionais. E em boa hora alguém se lembrou de organizar um protesto que visa contestar os males mais salientes e epidémicos. Vale a pena lembrar que este protesto não foi organizado pela oligarquia dos partidos e seus sindicatos -- este é um protesto que tem origem no grassroots. Sem vanguardas e sem líderes que tomam entre as suas mãos ungidas a tarefa histórica e impreterível de liderar o povo rumo a [insira aqui a sua teoria sobre o Fim da História].

Insurgem-se contra este protesto os arautos da inevitabilidade e do desenrasca, da imobilidade social e do "podia ser pior". Mas como sabemos, é bastante provável que de um pasquim apenas sejam debitadas opiniões cujos padrões de análise são francamente baixos. Perdoem-me o ad hominem, mas há casos em que a logorreia é auto-evidente. A teoria da escassez de fadas madrinhas para um número significativo de Cinderelas é pouco plausível.

Existem críticas que devem ser tecidas a este protesto:

1. Paroquialismo. Este é um protesto que ignora o facto de estarmos à rasca desde que existe acumulação primitiva de Capital. O pecado original da economia (nas palavras de Marx) criou uma sociedade cujo dínamo é a classe, e em que a história progride através de todo um sistema de contradições. A nossa condição é "rasca" a partir do momento em que somos explorados: este protesto reivindica apenas melhores condições de exploração.

Devemos almejar à emancipação por oposição à concessão.

2. Inconsequência. Este protesto acaba por encaixar na tipologia dos "passeios do descontentamento". E a classe dominante sabe lidar com mestria doutoral com esse tipo de marchas -- com a condescendência da alienação política e em última instância, panem et circenses e algumas concessões.

Diferindo das procissões quasi-religiosas organizadas pelo clero sindical, tem em comum com estas a inconsequência. A Avenida da Liberdade não será uma Praça Tahrir - o povo é sereno.

Mas a crítica é vã quando não se esboçam alternativas. O momento é crítico e deve ser aproveitado. Quando a máquina se move, ainda que mal oleada e desconexa, há que maximizar a eficiência -- menos desperdício de energia no sistema, mais trabalho realizado. Se a "geração à rasca" vai sair à rua, fá-lo-á inconscientemente e mediante identificação com instâncias particulares. Aproveitemos o protesto para consciencializar, e para demonstrar uma realidade superveniente - a da "Classe à Rasca".

É hora de redigirmos e imprimirmos panfletos, promover a discussão informada sobre ideias relevantes e levar o protesto para lá da individualidade.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

As fábulas da autoridade política

O coro cacofónico de vozes dissonantes prenuncia e anuncia, incessantemente, as patologias próprias do nosso tempo. Diferem os matizes e as facções no que concerne à enfermidade e às suas etiologias: alguns bradam que a crise de valores é o augúrio inexorável do fim dos tempos, e outros vão folheando apostilas em busca de uma escatologia qualquer, ou de um catecismo escrito por senhores de barbas compridas com residência fixada numa qualquer torre de marfim académica.

E é através de apostilas e catecismos debitados que se vai estudando a árvore em detrimento da floresta. Segue-se a criação do abismo incolmatável entre a realidade que o catecismo visa explicar e a explicação em si. As realidades supremas já não são a síntese do saber operativo (de índole científica e técnica) e do saber viver, que se funda na expurgação dos particularismos que são apanágio da bestialidade - pois o homem difere do animal na medida em que pode abstrair de uma classe de situações particulares para verdades universais.

Ora, esta treta toda para chegar a uma conclusão cujo conteúdo deveria ser auto-evidente: que o coro cacofónico se cale e pare de debitar receitas para panaceias e que se concentre na análise histórica e filosófica das questões que cercam e confinam o Homem. E o mal mais basilar do Homem é a sua subjugação aos comandos daqueles que são, por natureza, seus pares.

A subjugação do Homem é mote para todo um sistema de justificações filosóficas e políticas que visam demonstrar a legitimidade da autoridade do soberano. A justificação actual baseia-se na ficção do racional-legal ou do Império da Lei. Uma análise cuidada destes fenómenos mostra que não passam de ficções para justificar de modo palatável a autoridade e o domínio de uma classe sobre a outra - assunto que será objecto de exposições futuras.

Urge a emancipação e o combate de todas as formas de poder vertical. Que caiam os Mestres que nos têm cativos, seja a sua sede no Céu ou no Palácio - e que por fim caia o homúnculo que domina as nossas mentes: homúnculo pois a sua condição de submissão aos aparelhos de doutrinação impede o homem de aspirar ao seu desenvolvimento integral e por conseguinte, à concretização da sua natureza intrínseca.