domingo, 27 de fevereiro de 2011

As fábulas da autoridade política

O coro cacofónico de vozes dissonantes prenuncia e anuncia, incessantemente, as patologias próprias do nosso tempo. Diferem os matizes e as facções no que concerne à enfermidade e às suas etiologias: alguns bradam que a crise de valores é o augúrio inexorável do fim dos tempos, e outros vão folheando apostilas em busca de uma escatologia qualquer, ou de um catecismo escrito por senhores de barbas compridas com residência fixada numa qualquer torre de marfim académica.

E é através de apostilas e catecismos debitados que se vai estudando a árvore em detrimento da floresta. Segue-se a criação do abismo incolmatável entre a realidade que o catecismo visa explicar e a explicação em si. As realidades supremas já não são a síntese do saber operativo (de índole científica e técnica) e do saber viver, que se funda na expurgação dos particularismos que são apanágio da bestialidade - pois o homem difere do animal na medida em que pode abstrair de uma classe de situações particulares para verdades universais.

Ora, esta treta toda para chegar a uma conclusão cujo conteúdo deveria ser auto-evidente: que o coro cacofónico se cale e pare de debitar receitas para panaceias e que se concentre na análise histórica e filosófica das questões que cercam e confinam o Homem. E o mal mais basilar do Homem é a sua subjugação aos comandos daqueles que são, por natureza, seus pares.

A subjugação do Homem é mote para todo um sistema de justificações filosóficas e políticas que visam demonstrar a legitimidade da autoridade do soberano. A justificação actual baseia-se na ficção do racional-legal ou do Império da Lei. Uma análise cuidada destes fenómenos mostra que não passam de ficções para justificar de modo palatável a autoridade e o domínio de uma classe sobre a outra - assunto que será objecto de exposições futuras.

Urge a emancipação e o combate de todas as formas de poder vertical. Que caiam os Mestres que nos têm cativos, seja a sua sede no Céu ou no Palácio - e que por fim caia o homúnculo que domina as nossas mentes: homúnculo pois a sua condição de submissão aos aparelhos de doutrinação impede o homem de aspirar ao seu desenvolvimento integral e por conseguinte, à concretização da sua natureza intrínseca.

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